quarta-feira, 23 de abril de 2014

CAMINHO DA PAZ


A primeira vez que ouvi falar do Caminho da Paz foi quando recebi o convite do Prof. André Araújo, Presidente da ATEC-BA (Associação dos Treinadores de Corrida de Rua da Bahia) e proprietário da Assessoria de Corrida Corpus Vitalle.

Mal começara a ouvir suas explicações sobre o Caminho, entre surpreso e descrente, o interrompi:
- Inicia-se onde?!!!

- Na cidade de Amargosa, respondeu-me ele.

Meus pais vivem em Amargosa, minha mãe é daquela cidade, não conseguia acreditar que ali seria ponto de partida para uma jornada de peregrinação, sobretudo porque há dois anos venho flertando com o Caminho da Fé, que se inicia em Minas Gerais e termina na Catedral Basílica de Nossa Senhora de Aparecida em São Paulo.

Saber que o caminho baiano era pensado / desenvolvido aos moldes do famoso Caminho de Santiago (com direito a passaporte / carimbos / certificado), que habita o imaginário dos meus desejos desde que na adolescência o conheci através do mais famoso livro de Paulo Coelho, apressou meu sim, muito antes de, mais relaxado, ouvir finalmente os detalhes:
“O Caminho da Paz é uma caminhada de 127km de extensão, iniciando na Cidade de Amargosa, no Estado da Bahia, com chegada no “Projeto Semente” – um ponto de Luz nas montanhas do Vale do Jiquiriçá, em Ubaíra. É o primeiro do gênero no Nordeste do Brasil.”


O primeiro passo antes de iniciar a peregrinação é adquirir a credencial e todas as informações necessárias (nomes de pousadas, contatos em cada ponto de chegada, etc) na Pousada do Bosque em Amargosa, primeiro ponto de apoio do Caminho.

O percurso é todo marcado com setas amarelas pintadas em estacas, postes, pedras, cancelas, árvores pelos 08 peregrinos que criaram o Caminho da Paz no ano de 2003 (Antônio Presídio, Maria de Lourdes, José Antônio, Wellington Muller, Roberto, Lourdinha, Jussara e Benedito). Em seu traçado original, media 165km, mas a partir de 2011 passou a ter “apenas” os atuais 127km e está concebido para ser feito em seis dias, assim divididos os trechos:
127Km  pelas trilhas do
CAMINHO  DA  PAZ
Sequência de Dias / Percurso / Km
1° dia
Amargosa
ao
Alto da Lagoinha
25Km
2° dia
Alto da Lagoinha
ao
Morrinho de São José
ao
Alto da Lagoinha
13Km
3° dia
Alto da Lagoinha
a
Mutuípe
17Km
4° dia
Mutuípe
a
Jiquiriçá
26Km
5° dia
Jiquiriçá
a
Ubaíra
27Km
6° dia
Ubaíra
ao
Projeto Semente
19Km


O que eu só fui ficar sabendo no final é que nossa expedição teria algo de diferente, apesar de não inusitado. O convite do Prof. André era para que fizéssemos o caminho de bike, percorrendo dois trechos por dia, reduzindo-se pela metade a quantidade necessária de dias para completá-lo e, desta forma podendo ser feito no período do feriado da Páscoa.

Consultei a tia Lalá, que ficou toda empolgada com a viagem e confirmei nossa presença no Caminho.

                                     ***
Quinta-Feira
Após executar no CT mais uma vez o famigerado treino de circuitos (que alterna tiros de 5 e 10km com 5’ de agachamento) colocamos as bikes no carro e pegamos estrada para irmos à casa dos meus pais.




Amigo na praça é sempre melhor que dinheiro no bolso. Para facilitar meu retorno a Salvador no Domingo de Páscoa, deixamos o carro com Louro e lhe pedimos que o levasse ao Projeto Semente (final do Caminho da Paz) entre a sexta e o domingo de manhã.

O grupo teria 08 ciclistas-peregrinos, mas o início da viagem começaria apenas na sexta-feira à tarde e somente a tia Lalá e eu havíamos chegado em Amargosa um dia antes. A primeira coisa que providenciamos foi a compra das nossas credencias (R$ 40,00) na Pousada do Bosque. Agora eu tinha a prova concreta de que aquilo existia em minha cidade (rs).

Aliás, não encontrei por lá uma pessoa sequer que soubesse da existência do Caminho da Paz.
Meus pais ("Seu" Osvaldo e D. Floripes) posando com as bikes antes de iniciar a viagem
Outra coisa que fizemos na quinta foi um reconhecimento dos 12km iniciais do primeiro trecho e o que vimos foi bem pior do que imaginávamos. O negócio era dormir cedo para economizar energia para o dia seguinte.

SEXTA-FEIRA SANTA


- 1º trecho
Às 16 horas reunimos o Grupo – André Araújo, Ângela Pelosi, Marcelo Del Pozo, Songeli, tia Lalá e eu (a Beatriz Giesta e Zé Carlos partiriam no sábado com a intenção de nos alcançar no Caminho, o que, infelizmente, concretizar-se-ia apenas no Domingo no Projeto Semente, ponto final da jornada).

Marcelo, Songeli, tia Lalá, eu, André e Ângela
Antes de começarmos a jornada consegui finalmente falar com o Presidente Lula de Holanda, que estava completando 60 anos e havia comemorado seu aniversário correndo igual número de quilômetros, ao lado da família ACORJA no Parque da Jaqueira em Recife.
Lula de Holanda festejando os 60 anos entre família e amigos

A interação do grupo foi quase que imediata, logo estaríamos enfrentando as pirambeiras do Caminho e a cumplicidade só faria aumentar.


A noite nos colheu na estrada e, faróis acesos, viajando o mais próximo possível que nos permitia a prudência, pudemos comprovar que o troço das marcações das setas (reacendidas recentemente pelos Profs. André Araújo e Ângela Pelosi) funciona muito bem.
Chegando no Alto da Lagoinha
Perto das 09 horas da noite, cansados mas felizes com a primeira vitória, chegamos a nosso destino (Alto da Lagoinha), onde fomos magnificamente recebidos pela simpaticíssima D. Damiana. Banhados e alimentados (não necessariamente nesta ordem), só nos restava desfrutar das convidativas camas que, ansiosas, nos aguardavam.

SÁBADO DE ALELUIA
- 2º Trecho
Logo que vi os mapas do Caminho da Paz, decidi-me que faria o segundo trecho no trote, já que ele era o único em que se saía e voltava ao mesmo ponto, dispensando assim a bagagem e as “magrelas”. Assim que lancei a ideia, para meu contentamento (coisa de ciclistas-peregrinos-corredores), a aceitação foi geral.

Trote até o Morrinho com o dia amanhecendo


Por volta das 6 horas partimos para (o que só depois iria saber) a etapa mais fácil e bonita do percurso, apesar de tratar-se também do ponto mais alto de nossa jornada.

Sem “miar”, como sugeriu um descrente nativo que nos viu sair correndo do Alto da Lagoinha, chegamos ao Morrinho de São José bem tranquilos e o que nos fez perder o fôlego mesmo foi a vista que se tem lá do alto.


Com a chave que nos foi entregue por D. Damiana, abrimos a Igrejinha postada à beira do morro para conhecer seu interior e, além de reservar uns minutinhos para contemplação silenciosa, cumprimos, também, o ritual de depositar uma pedra no monte que fica ao lado dela.


Tencionando reduzir nosso “tempo em terra”, no retorno disparei na frente para tomar banho e liberar o mais rapidamente possível o banheiro para os companheiros. Isso ficou só na intenção mesmo, pois acabei errando (pela primeira vez rs) o caminho e somente uns 2,5km à frente me dei conta disso.


meditando no |Morro

Fica a dica: na descida do Morrinho (mais ou menos com 700 metros) deve-se ficar atento à primeira entrada à direita.

- 3º trecho
Prontos para encarar o 3º trecho - Alto da Lagoinha/Mutuípe
Por volta das 10 horas da manhã deixamos o Alto da Lagoinha e logo de cara uma enorme subida dava a ideia do que enfrentaríamos.


As abundantes ladeiras traziam enorme dificuldade nas subidas e aumentava exponencialmente o perigo de uma queda na descida, principalmente por conta das erosões na estrada de barro.

O Caminho nos dava suas lições.

avistando Mutuípe
Aos poucos íamos chegamos à Cidade de Mutuípe e, antes do almoço, cheios de orgulhos por mais uma vitória, fomos ao Hotel Portal do Vale colher nossa carimbada no passaporte da Paz.

- 4º trecho
Saindo para Jiquiriçá
Sempre por estradas de barro e belíssimas (apesar de duras) paisagens, por volta das 16 horas deixamos Mutuípe e partimos em busca do nosso próximo destino, a cidade de Jiquiriçá, e mais uma vez a noite nos surpreendeu na estrada.


Cantando, conversando, empurrando bicicletas morro acima, desviando de buracos, aos poucos alcançamos nosso último objetivo do dia.

DOMINGO DE PÁSCOA
- 5º Trecho

Saindo de Jiquiriçá
Desta vez a saída foi antecipada para 6 horas. Havíamos aprendido que 8 a 9km/h seriam nossas melhores médias de velocidade e tencionávamos cobrir os 46km restantes a tempo de pegar o almoço marcado para as 13 horas no Projeto Semente.

A primeira etapa do dia nos levaria até a cidade de Ubaíra e, mantendo sua característica de muita beleza (e sobe e desce) o Caminho mais uma vez exigiu o melhor de nossa condição ciclo-peregrina.


Com uma parada para reabastecimento chegamos finalmente à estrada principal e exatamente no momento em que seguíamos por ela para entrar em Ubaíra, coincidência das coincidências, encontramo-nos na Rodovia com nosso amigo Louro que seguia com parentes e amigos (em dois carros) para o Projeto Semente, onde deixariam o nosso carro e, claro, que aproveitariam para conhecer.

Exatamente no momento em que ele nos avistou estava folgando o pneu da bike da tia Lalá para soltar a corrente que travara dada a combinação inadequada de coroa grande x catraca mega ranger e a primeira coisa que gritei foi um “vai-te embora, antes que a Tia Lalá esmoreça e resolva entrar no carro”.

Chegando em Ubaíra - um dos poucos trechos de asfalto do Caminho
A fala saiu em tom de brincadeira, mas o velho e bom fundo de verdade estava presente. Só faltava mais um trecho. Sabia que em matéria de esforço físico, aqueles dias foram os mais difíceis da sua vida e ela estava se saindo muito bem, merecendo de todos nós profunda admiração pela sua garra e não ia querer (nem por brincadeira) arriscar um final que não fizesse jus a tudo que ela havia demonstrado até ali.

Entre carimbos, reabastecimentos e outras providências, em Ubaíra gastamos uma hora e exatamente às 10:30 partimos para o último trecho da viagem.

- 6º Trecho

Os primeiros 10km foram de uma facilidade impressionante, já estávamos todos desconfiados: Cadê a tal serra? Andando um pouco adiante, sempre na intenção de adicionar técnica à pedalada da tia Lalá a fim de minorar seu sofrimento, novamente me perdi no caminho.

Por 1,5km estivemos fora da rota, somente quando fizemos meia-volta é que nos demos conta de que havíamos interpretado errado a direção a que nos remetia uma seta pintada numa estaca.

Na verdade ela nos mandava, sem cerimônia, deixar a estrada e subir uma montanha. Assustados com o tamanho da encrenca e ainda sem certeza de que era aquilo mesmo que tínhamos que fazer, começamos a escalada.

Quando chegamos ao ponto mais alto avistamos uma cena impressionantemente bela. Lá embaixo podíamos ver o casal André e Ângela com suas bikes “apeadas” e, defronte a eles, dezenas de bois harmoniosamente alinhados os contemplavam.

De lá do alto a cena era muito bonita, rs
Enquanto descíamos é que começamos a entender a situação, na verdade o que estava acontecendo não tinha nada de harmonioso, aqueles bois horrendos estavam acuando nossos amigos e, por sorte, além de uma cancela que os separava, o sangue de vaqueiro dos antepassados do Prof. André começou a circular em suas veias e ele já estava botando a boiada para correr.


Nem precisava confessar isso aqui, mas agradeci a Deus pela desorientação de minutos atrás. Acreditei que o Caminho havia dado o frio conforme o cobertor.


Dali por diante, a “estrada” era no meio dos pastos. Outras boiadas nos seguiram e fomos “salvos” por outras cancelas.


Como era de se esperar, finalmente chegou a hora de descer a montanha do outro lado. Nossos amigos, que já haviam estado no Projeto Semente em outras ocasiões começaram a reconhecer que estávamos muito perto. Estávamos sim. Logo encontramos uma marca de 500m até o final. Hora de cantar, sorrir, chorar, gritar e até de cair (Prof. André mandou uma “rabeada” apoteótica e quase beija o chão exatamente na frente do Projeto Semente rs), toda e qualquer forma de manifestação era válida e merecida.

Infelizmente, Louro e sua família (a quem devo muito), já haviam ido embora deixando lá as chaves do carro, onde enfiei as bikes antes mesmo de conhecer o Projeto.

Projeto Semente
O Semente é um lugar daqueles que se tem vontade de nunca mais deixar. Estivessem ali meus pequenos e certamente não teria ido embora tão rápido (nada que impedisse um almoço de confraternização).

Apesar de ter consciência de que aquilo não era o mais importante, o momento de recebermos os “canudos” por haver completado a peregrinação ciclística foi muito especial.

Trilhar o Caminho, acima de tudo, é manter vivo o sonho daqueles oito primeiros heróis que o criaram e a quem devemos muita gratidão pela experiência que nos proporcionam ainda hoje.

hora de voltar para Salvador
Amor, Amizade, Fé, Garra, Coragem, Paciência, Tolerância, Humildade, etc, qualquer uma destas virtudes poderia dar nome ao Caminho, mas realmente há que se concordar que para viver plenamente qualquer uma delas, é fundamental que estejamos em PAZ.

Luan e "tia" Lalá


Axé!

P.S. ESTOU VIAJANDO E AINDA TEMOS ALGUMAS FOTOS PARA SUBIR - CONEXÃO NÃO ESTÁ AJUDANDO MUITO.

CORRIDAS DA SEMANA SANTA
Roberto que aos poucos  recuperando seus movimentos em sua andada diária no CT
16 KM AREIA/BARRO - com Chico, Pataro e Vitório


60 ANOS DE LULA DE HOLANDA



AMARGOSA/ALTO DA LAGOINHA



















ALTO DA LAGOINHA/MORRINHO DE SÃO JOSÉ/ALTO DA LAGOINHA



Com D. Damiana
ALTO DA LAGOINHA/MUTUÍPE


as setas do caminho





MUTUÍPE/JIQUIRIÇÁ








JIQUIRIÇÁ/UBAÍRA



morador curtindo a vista

UBAÍRA/PROJETO SEMENTE





Maria Presídio emitindo nosso certificado após nos receber muito carinhosamente

PROJETO SEMENTE






11 comentários:

  1. Roberto muito bacana este passeio. Já tinha ouvido falar deste percurso através da Rosi. Ela fez correndo. Mas acredito que durante dias. Parabéns a todo grupo. Pedalando é muito gostoso, dá para curtir bastante.

    Abração e até mais

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    1. Valeu, Dart!
      Neste caminho, tenho quase certeza, no trote seria mais fácil que pedalando!
      Abraços!

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  2. Amigo,
    Fico muito feliz, por conhecer esta aventura atraves do seu depoimento, e tambem por saber que um dos fundadores Wellington Muller é um grande amigo meu, e Antonio Presidio um conhecido. Parabens, e vamos ver a possibilidade de fazermos este percurso a pé...
    Grande abraco

    Bruno Fraga

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    1. Bruno,
      Fiz o caminho o tempo todo imaginando realmente em fazê-lo correndo (com amigos) noutro momento.
      Abraços!

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  3. Muito feliz por saber que amigos maravilhosos como vocês participaram de mais uma aventura emocionante! Vendo as paisagens e a sua emocionante narrativa me senti participando com vocês. "Aventura é um milhão de novos começos, movidos pelo desafio, sempre novo de viver e fazer todo sonho brilhar."
    Forte Abraço da Amiga Lu Bastos !!!

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  4. Lu,
    Que bom que tenha se sentindo lá, mas espero mesmo voltar ao Caminho e desejo que você esteja nele.
    Abraços!

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  5. Que máximo Roberto. Uma aventura muito especial e agregadora ao lado de pessoas tão especiais.
    Orgulhosa de vocês.
    Cássia.

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  6. Foi realmente o maior desafio que já vivenciei, mas a gratidão a vocês e ao Caminho por estar ali foi tão grande quanto!
    Sinto-me especialmente grata a você, que foi incrível durante todo o tempo e me ajudou muito.
    Estamos! e em Paz!

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  7. Roberto,
    Como sempre, aventura da boa e narrada de forma espetacular. Que maravilha de feriado.
    Grande abraço!
    Gilmar

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  8. muito bom! curti essas paisagem lindas! faz muito bem, parabéns a todos! vanuza lins.

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